Petróleo do Pré-Sal

18 agosto 2014
Pércio de Moraes Branco

Fig. 1 - Perfil do Pré-sal

Desde 2007, todo dia ouve-se falar e se lê notícias sobre o petróleo que o Brasil vai passar a produzir a partir de jazidas situadas no pré-sal. No momento, a maior discussão gira em torno não propriamente da produção do petróleo, mas de como será administrada essa riqueza mineral.

Não é à toa que se fala tanto nisso, pois se trata realmente de uma reserva gigantesca, que está mudando o modo de encarar esse recurso energético em nosso país.

O que é o pré-sal?

O petróleo ocorre sempre em regiões da crosta formadas por rochas sedimentares. Ele forma-se em uma rocha, chamada rocha geradora a partir de restos orgânicos, sobretudo micro-organismos animais. Durante milhões de anos esses detritos orgânicos sofrem transformações, que levam a um aumento da temperatura e da pressão interna, o que acaba rompendo a rocha. Com isso, o petróleo migra para cima através dos poros existentes nas rochas, até encontrar algo que o impeça de continuar se deslocando. Essa barreira, chamada de trapa, pode ser uma rocha impermeável, como uma camada de sal.

O que se chama de pré-sal são as rochas sedimentares que existem abaixo da uma camada de sal com até 2.000 m de espessura, que se estende por uma grande extensão. Essa espessa camada de sal, formada principalmente de halita (cloreto de sódio, ou seja, o sal que usamos na comida) e anidrita (sulfato de cálcio) é uma barreira que se formou diretamente sobre a rocha geradora, impedindo que, neste caso, o petróleo migrasse.

Quando a sonda perfura as rochas, ela encontra esse petróleo depois da camada de sal. Mas não se diz que ele está no pós-sal e sim no pré-sal porque está em rochas que se formaram antes das que estão acima, como é normal nos processos geológicos de sedimentação. O prefixo pré-, portanto, refere-se ao tempo, não ao espaço. Pós-sal é o que está acima do sal. A Fig. 1 mostra o perfil geológico na área do pré-sal. Notar a comparação do morro do Corcovado com a profundidade a que está o petróleo.

Por que só nos últimos tempos se começou a falar em petróleo do pré-sal ? Porque, devido às enormes profundidades, nunca se havia procurado petróleo abaixo da camada de sal. É preciso lembrar que esse combustível está 3 a 5 km abaixo do fundo do mar e que existem até 2.200 m de água até chegar ao fundo. (Além disso, as plataformas de exploração e produção ficam a até 340 km da costa.)

O pré-sal existe também em outros países, mas apenas na África ele tem características semelhantes às do Brasil.

Nosso país é hoje autossuficiente em petróleo, ou seja, produz um volume suficiente para o que consome. Mas, importa ainda certa quantidade de petróleo mais leve, de melhor qualidade, e é exatamente este tipo de petróleo que existe no pré=sal.

As reservas do pré-sal

As reservas que se acredita existirem abaixo da camada de sal ocupam uma área de 149.000 km² (equivalente à do estado do Ceará) e atingem 90 bilhões de barris, ou seja cerca de sete vezes o volume de petróleo conhecido acima da mesma camada. Isso nos torna o quarto país em reservas de petróleo, em condições de passar a exportador do produto.

A Petrobras, por enquanto, divulgou avaliações apenas para as principais áreas já licitadas, os campos de Tupi, Iara e Parque das Baleias, onde existiriam até 14 bilhões de barris. Mas, isso já é suficiente para dobrar as reservas brasileiras conhecidas. Em outubro de 2009, estarão disponíveis dados também sobre o campo de Guará.

Um dos campos conhecidos, Tupi, situado na bacia de Santos, está a mais de 5.000 m de profundidade e possui uma reserva recuperável entre 5 e 8 bilhões de barris (reserva recuperável é o que realmente se pode retirar do subsolo, porque nunca se consegue extrair todo o petróleo existente numa jazida). Ainda está em fase de testes, com uma produção de 7.000 barris por dia. Esse volume poderá chegar a um milhão de barris por dia por volta de 2020. Como a produção total de petróleo no Brasil é hoje de dois milhões de barris por dia, isso mostra bem a grandiosidade das reservas de petróleo no pré-sal. Além disso, não está descartada a possibilidade de os diversos campos petrolíferos do pré-sal estarem interligados, formando uma única e descomunal jazida.

Quem pode extrair esse petróleo?

Com o fim do monopólio em 1997, estabelecido pela lei do Petróleo (Lei nº 9.478) esse bem mineral é de quem o extrai, não mais da Petrobras apenas. Há agora 76 empresas explorando petróleo e gás natural no Brasil, sob o regime de concessão. É o governo brasileiro, através da Agência Nacional do Petróleo, quem decide quais áreas são abertas à pesquisa e extração por empresas outras que não a estatal brasileira. Elas participam de leilões, através dos quais se habilitam a concessões públicas. A Petrobras concorre em pé de igualdade com as demais empresas e não tem uma participação mínima garantida. Esse é o sistema adotado em países democráticos e de economia aberta.

O governo não queria que o Brasil entrasse em mais um ciclo econômico como foram os ciclos do pau-brasil, da borracha e da cana-de-açúcar, que geraram grandes lucros mas não resultaram em riqueza para o país. Queria que de alguma forma se garantisse que o lucro do petróleo extraído do pré-sal fosse investido em educação e em outros setores básicos para o desenvolvimento do país. Para isso, implantou o sistema de partilha, em que a produção é dividida entre a União e as empresas. Teria o direito de extração a empresa que oferecesse ao governo a maior porcentagem do petróleo extraído. A Petrobras era operadora única do pré-sal, podendo se juntar em consórcio a outras empresas, mas tendo uma participação mínima garantida de 30% em cada campo.

Esse sistema foi implantado, mas os enormes prejuízos que a Petrobras teve com desvios de dinheiro, no chamado Petrolão, tornou muito difícil a manutenção do sistema de partilha. A petroleira brasileira tinha direito a 30% do petróleo extraído do pré-sal, mas isso implicava a obrigação de assumir também 30% dos custos. PPOr isso, em 2017 foi abolido o sistema de partilha.

O fim do monopólio no Brasil surgiu porque a pesquisa petrolífera envolve alto grau de risco e enormes somas de dinheiro, ficando difícil para a Petrobras fazer isso sozinha. Como a pesquisa no pré-sal é considerada de baixíssimo risco, isso justificou a mudanças nas regras, no chamado marco regulatório.

Alguns especialistas condenavam alterações no sistema de concessão. Segundo David Zylberstajn, ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo, o antigo sistema era absolutamente transparente [e] não foi objeto de nenhum tipo de questionamento. Mudá-lo seria um retrocesso institucional. João Carlos de Luca, do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, afirmava que o sistema de partilha inibiria a atuação de companhias privadas, o que de fato aconteceu.

Embora todos os dez primeiros furos feitos pela Petrobras no pré-sal tenham encontrado petróleo e a empresa diga ter um índice de sucesso de 87%, há indícios de que esse risco não é tão baixo assim, pois alguns poços abertos por empresas privadas deram resultado negativo. Isso aumenta ainda mais a polêmica em torno do assunto.

Outra questão que esteve em debate foi a proposta de criar uma nova empresa estatal para administrar o aproveitamento do pré-sal. Extrair o petróleo será atribuição da Petrobras, sem dúvida. Mas, alguns setores f=defrendiam a criação de uma nova empresa – que iria se chamar Petrosal - para monitorar a execução dos projetos de exploração e principalmente os custos de produção. Seus executivos seriam indicados pelo governo e aqueles que eram contra sua criação apontavam os riscos de utilização política dessa empresa, com o risco de se abrir uma nova oportunidade para a corrupção. A ideia da nova empresa foi abandonada.

Quanto vale o petróleo do pré-sal?

O preço do barril de petróleo oscila bastante em razão de fatores de âmbito internacional. Segundo o engenheiro Fernando Siqueira, presidente da Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobras), se ele estivese acima de 100 dólares por barril, como estava, quando ocorresse a produção no pré-sal, geraria um lucro da ordem de 10 trilhões de dólares. Essa produção geraria 250.000 empregos diretos e 350.000 indiretos. O petróleo do pré-sal, dizia ele, poderia acabar com todos os nossos problemas sociais, econômicos e financeiros. Infelizmente, o preço do petróleo caiu muito, ficando bem abaixo dos cem dólares. Isso gerou enormes dificuldades financeiras para o Estado do Rio de Janeiro, o que mais recebe royalties pela produção, e também para a Venezuela.

Uma questão importante também é o ritmo em que o petróleo do pré-sal deve ser produzido. Se o Brasil o extrair muito rapidamente, ele poderá acabar no período de uma geração. Além disso, se o país se tornar um grande exportador de petróleo, nossa moeda ficará muito valorizada, o que poderá prejudicar as exportações e facilitar as importações. Isso pode resultar no enfraquecimento de outros setores produtivos como a Indústria e Agricultura.

Como será distribuído o lucro com o petróleo do pré-sal?

Esta é outra questão polêmica que custou a ser resolvida. Normalmente, os estados onde se situam as jazidas de petróleo recebem recursos provenientes da produção do óleo (chamados royalties). Como o petróleo do pré-sal situa-se numa faixa marítima de 800 km de extensão por 200 km de largura, que abrange apenas os estados entre Espírito Santo e Santa Catarina, autoridades das demais unidades da federação achavam justo que uma riqueza tão grande fosse repartida entre todos os estados. O Rio Grande do Sul foi a primeira unidade da federação a se manifestar nesse sentido, através de audiência pública realizada pela sua assembléia legislativa, em maio de 2009, sobre Impactos da Exploração da Camada pré-Sal.

A Associação dos Engenheiros da Petrobras também defendia a participação de todos os estados, desde que os recursos fossem aplicados em investimentos sociais.

Outra proposta, divulgada em 15 de setembro de 2009, destinava 30% dos recursos obtidos aos estados produtores, 40% aos demais estados e os 30% restantes a um fundo a ser criado e que aplicaria o dinheiro sobretudo em investimentos nas áreas de Educação e Saúde. A proposta de dividir os royalties entre todos os estados acabou derrotada.

CURIOSIDADES
 
  • O investimento para produzir petróleo é altíssimo, mas o retorno é também enorme. Em alguns poços das Arábia Saudita, o custo de produção é de US$ 5 por barril e o petróleo é vendido a US$ 70. Por isso, há quem diga que o melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada, e que o segundo melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo mal administrada.
  • Quando se fala em barril de petróleo, fala-se apenas em uma unidade de volume equivalente a 159 litros, uma vez que o petróleo não é armazenado em barris. Mas, no início da indústria petrolífera ele era, sim, armazenado dessa maneira. Eram barris de madeira, depois substituídos por barris de aço.
  • Um barril de petróleo media 50 cm de diâmetro por 90 cm de altura.
  • A energia contida nessa quantidade de petróleo é suficiente para um carro a gasolina rodar 1.400 km.


Fontes Consultadas

GUANDALINI, Giuliano et al. 10 questões sobre o pré-sal. São Paulo, Veja, Abril, 42(36):68-7. 09.09.2009. il.

PRÉ-SAL. Wikipédia em português. Acessado em 14.09.2009.

SANTUCCI, Jô. Pré-sal – Um bilhete premiado? Porto Alegre, Conselho em Revista, Crea-RS, 5(58):13-17. il.