Minerais de Origem Pouco Comum
Minerais de Origem Pouco Comum
Entre os requisitos exigidos de uma substância para que seja considerada mineral a origem natural é inquestionavelmente de fundamental importância. Muitos minerais são hoje facilmente produzidos em laboratório, e as gemas sintéticas são um exemplo bem significativo. Entretanto, não são consideradas minerais e manda a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) que as gemas assim obtidas sejam denominadas pelo nome do mineral correspondente, seguido sempre do adjetivo sintético.
Esse pressuposto básico para o reconhecimento de um novo mineral foi colocado em cheque quando a International Mineralogical Association teve que decidir se aceitava ou não como espécies válidas dois novos minerais de estanho.
Entre 1801 e 1821, uma canoa que levava utensílios feitos com aquele metal afundou no rio Winnipeg, em Ontário (Canadá). A carga ficou perdida no fundo do rio até o início da década de 1970, quando foi recuperada.
Retirada da água, verificou-se que se formara, na superfície dos utensílios, uma fina crosta de cristais brancos, aos quais se associavam outros, de cor preta. O estudo do material levou à proposição de ambos como espécies minerais novas, sendo dado aos cristais pretos o nome de romarchita e aos brancos, hidrorromarchita (pronuncia-se romarquita e hidrorromarquita).
O fato de os cristais haverem se formado por processo natural mas a partir de substâncias artificiais, gerou controvérsia no âmbito da IMA, mas as novas espécies acabaram sendo aceitas por dez votos a quatro.
Uma das peças menos atraentes do nosso Museu de Geologia é certamente a de origem mais intrigante. Trata-se de um tectito procedente da República Checa.
A gênese dos tectitos é um dos grandes mistérios da Geologia. Sabe-se o que são, onde estão, mas não de onde vieram.
O nome tectito (do gr. tektos, fundido) designa materiais vítreos, de cor verde-garrafa, amarelada ou preta, quimicamente semelhantes à obsidiana mas muito mais raros. Parecem ter sido formados sob alta pressão (contêm coesita), mas em atmosfera rarefeita (mostram bolhas de gás com baixa pressão), o que leva a pensar numa origem ligada a impactos de meteoritos. Só que nem sempre se vêem indícios desse impacto nas áreas onde eles aparecem.
Possuem forma aerodinâmica muito variável, assemelhando-se geralmente a uma noz ou botão. Costumam ser pequenos, pesando apenas alguns gramas. A dureza está em torno de 5,5 e a densidade, entre 2,3 e 2,5. O índice de refração vai de 1,480 a 1,520. A idade varia de 700.000 a 34 milhões de anos
Os tectitos são encontrados em regiões geograficamente muito separadas e não mostram ligação genética com as rochas dos locais onde ocorrem, o que levou O’Keefe (1978) a advogar uma origem ligada a atividade vulcânicas mas na Lua, não na Terra.
Alguns cientistas russos defendem uma hipótese incomparavelmente mais arrojada. Para eles, os tectitos são parte do que restou de um antigo planeta que existia entre Marte e Júpiter (Gris Dick, 1980).
O astrônomo Johann Bole descobriu, em 1772, que as distâncias dos planetas ao Sol obedecem a certas relações matemáticas, conhecidas como Lei de Bole (as descobertas de Urano, Netuno e Plutão, ocorridas depois disso, confirmaram a lei). De acordo com Bole, a 400 milhões de quilômetros do Sol, entre Marte e Júpiter, deveria haver um planeta, que não existe. Mas, há ali um cinturão de asteróides, que seriam os restos desse astro.
O provável ex-planeta, que recebeu de Sergei Orloff o nome de Fáeton, teria se fragmentado em 4.500 pedaços, de 700m a 1.400 m. A temperatura de formação dos tectitos, segundo esses cientistas, atingiria até 100.000.000 oC, enquanto a dos meteoritos (também procedentes de lá) chegaria a apenas 200.000 oC. Eles acreditam que a centenas de milhares de graus a água se torna combustível e que, por isso, os oceanos de Fáeton teriam explodido.
Mas, vão muito além as suposições dos cientistas russos: eles acreditam que Fáeton não só tinha água como também vida, semelhante à da Terra e anterior à que aqui existe. Teria havido na verdade várias explosões, em cadeia e na superfície do planeta e os habitantes de Fáeton, ao fugir, teriam visitado a Terra.
Verdade ou não, o fato é que os tectitos aí estão, desafiando geólogos e astrônomos do mundo inteiro.
Eles recebem nomes que traduzem os locais onde aparecem. O tipo mais comum é o moldavito (de Moldávia, Republica Checa), que é usado como gema e que é o que possuímos. Outros tectitos importantes são o australito (da Austrália), o billitonito (de Billiton, Indonésia), o queenstownito (de Queenstown). Há ainda o javanito (de Java). Na América do Sul, os tectitos foram descobertos na Colômbia e no Peru. No Brasil, pelo que sabemos, ainda não foram achados.
Fontes
BRANCO, P. DE M. - Glossário gemológico. 3 ed. Porto Alegre, Sagra, 1992. 215 p. il.
GRIS, H. DICK, W. - Novas descobertas parapsicológicas: a experiência soviética. São Paulo, Civilização Brasileira, 1980.
(*) Geólogo, Coordenador do Museu de Geologia
Em muitos locais do oeste dos Estados Unidos e de outras regiões, observou-se, a partir de 1924 ou talvez antes, que certas árvores queimadas, principalmente abeto e cicuta, continham nos troncos pedras de tamanhos e em quantidades variáveis e que se mostravam, às vezes, com cor branca e estrutura fibrosa. Estranhamente, algumas árvores continham poucas dessas pedras, mas outras mostravam dezenas de quilogramas delas. E mais: em alguns troncos as pedras eram pequenas, mas em outros, atingiam até 50 cm.
Observou-se também que árvores que haviam sido queimadas depois de derrubadas ou aquelas em que o fogo só atingira porção de tronco situada acima de uma zona apodrecida, não mostravam as pedras misteriosas, sugerindo que o processo ocorria apenas com árvores vivas.
Diversas teorias tentaram explicar o fenômeno. Para alguns, as pedras seriam formadas por doença das árvores; outros atribuíam-nas a intensa evaporação de seiva; outros ainda julgavam que a causa era a fusão de cinzas por ação de raios ou fusão de calcário. Uma outra teoria afirmava que as pedras seriam meteoritos e que sua queda é que havia provocada a combustão das árvores.
Raios e meteoritos dificilmente explicariam a grande freqüência com que o material vinha sendo encontrado. Doenças e intensa evaporação de seiva não explicariam de modo razoável seu aparecimento em algumas árvores e não em outras, da mesma espécie e da mesma região. E fusão de calcário não explicaria a presença de pedras de grandes dimensões no alto de um tronco.
Em 1947, C. Milton e J. Axelrud estudaram o material e verificaram que eram carbonatos de potássio e cálcio até então desconhecidos, um com simetria hexagonal e outro, trigonal, aos quais se associava também calcita. Milton Axelrud viram também que o material continha inclusões de carvão vegetal, áreas carbonáceas escuras, estruturas de fluxo e cavidades arredondadas formadas talvez por gases. Essas características levaram-nos a concluir que os minerais eram formados por combustão das árvores, com posterior cristalização das cinzas. Eles verificaram também que o carbonato hexagonal, que chamaram de fairchildita, formou-se primeiro. Esse carbonato, por ação da umidade do ar, transformou-se no carbonato trigonal, ao qual deram o nome de buetschliíta. Por posterior lixiviação desses dois minerais, formou-se a calcita.
A idéia que usualmente se tem de que os minerais primam pela durabilidade e resistência (um diamante é para sempre, diz a DeBeers em suas peças publicitárias) esconde alguns fatos curiosos.
Que nem todo mineral é resistente muitos já sabem. Mas a existência de minerais que se formam em uma estação do ano e desaparecem meses depois para voltar a surgir no ano seguinte já pode ser motivo de surpresa. A verdade, porém, é que isso acontece e não é com um mineral só.
A acetamida, uma amida cristalina derivada do ácido acético, é um exemplo notável. Ela foi descoberta em rejeitos de uma mina de carvão da Rússia, onde se forma em estações secas, em áreas enriquecidas em amônia e em locais isolados da oxigênio e da luz solar. Nessas condições, surgem cristais trigonais de até 5 mm, incolores (ou cinza se contiverem matéria orgânica) e de baixa dureza (1,0 a 1,5), que são muito efêmeros. Basta que sejam expostos à luz do Sol para que se volatilizem em poucas horas.
A sinjarita (cloreto hidratado de cálcio) foi descoberta no leito seco de um rio intermitente de Sinjar (daí o nome), no Iraque. Ela ali se forma por precipitação quando ocorre lenta evaporação da água subterrânea saturada em cálcio e cloro. Seus cristais, rosa-claros, de brilho vítreo e hábito prismático, podem mostrar diferentes graus de hidratação. A antarticita, a forma mais hidratada, funde a apenas 30 oC, de modo que só se preserva em clima frio, como o da Antártica.
A hidrocloroborita, um cloro-borato hidratado de cálcio, é também um exemplo de espécie sazonal. Descoberta em 1965, na China, voltou a ser encontrada no ano seguinte em Salar Carcote, no deserto de Antofagasta (Chile). Nesta segunda ocorrência, o mineral aparece numa camada de 15 cm de espessura, irregular mas contínua durante a estação seca. Quando volta a chover, o nível freático sobe e a hidrocloroborita é dissolvida, voltando a precipitar na estação seguinte.
Fontes
ALJUBOURI, Z.A ALDABBAGH, S. M. Sinjarite, a new mineral from Iraq. Mineral. Magaz., London: Miner. Soc. , 43:643-645. 1980.
BRANCO, P. DE M. Dicionário de Mineralogia. Porto Alegre: Sagra, 1987. 362 p. il.
A idéia que usualmente se faz de minerais se formando por processos de longa duração nem sempre corresponde à realidade. Também a imagem de minerais se formando sob elevadas pressões e/ou temperaturas ou ao ar livre, em condições ambientais, pode não ser verdadeira. A zippeíta, a halotriquita e a calclacita são exemplos disso.
A zippeíta, um sulfato básico hidratado de uranila - (UO2)2 SO4 (OH)2. 4H2O - terroso, pulverulento, fortemente fluorescente, é muito raro, sendo freqüentemente confundido com a uranopilita, que tem composição muito semelhante. Ela ocorre geralmente associada a gipsita e - aí o mais interessante - nas paredes das galerias de algumas minas subterrâneas, ou sobre pilhas de rejeitos dessas minas. Trata-se, pois, de um mineral que pode se formar diante de nossos olhos e num período de tempo incomparavelmentre menor que aquele da maioria dos fenômenos geológicos.
Nos rejeitos das minas de carvão do sul do Brasil, ocorre processo semelhante. Concreções de pirita e marcassita (sulfetos de ferro) sofrem oxidação, transformando-se em sulfatos, como a halotriquita, por exemplo. Esse sulfato aparece na forma de pequenos tufos cinza-claro, extremamente delicados, semelhantes a mofo. A halotriquita forma-se inclusive em testemunhos de sondagem armazenados em depósito. Um pedaço desses testemunhos que temos em nossa coleção - um siltito carbonoso com pequena lâmina de pirita - oito meses depois de ser coletado mostrava um tufo daquele mineral com 2 cm de altura.
Mas o mineral mais interessante nesse aspecto é a calclacita. Trata-se de um cloro-acetato hidratado de cálcio de fórmula CaCl2.Ca(C2H3O2)2.10H2O. Esse mineral costuma se formar em rochas e fósseis de composição calcária guardados em museus, sobre os quais aparece na forma de eflorescências. A calclacita foi registrada também em peças de cerâmica, guardadas igualmente em museus. O mais curioso, nesse processo, é que a formação do mineral só se dá se as peças de cerâmica ou de calcário estiverem acondicionadas em caixas de madeira, já que esta contém o ácido acético necessário à sua formação. Se ficarem guardadas em vidros, por exemplo, o mineral não se formará
A regra segundo a qual os minerais se formam através de processo de longa duração e são, por isso, bens não renováveis, tem uma notável exceção nos fulguritos.
Dá-se o nome de fulgurito (popularmente pedra-de-corisco ou pedra-de-raio) o material formado pela fusão de minerais ou rochas pela ação de um raio. Ao atingir o chão, a altíssima temperatura da descarga elétrica funde o material que encontra e pode, nesse processo, formar uma nova substancia mineral. É um processo natural e inorgânico, que produz uma substancia sólida, homogênea e de composição química definida. Não tem, é verdade, estrutura cristalina, mas assemelha-se à obsidiana e aos tectitos, justificando-se portanto seu estudo junto com os demais minerais.
Quando o raio cai sobre a areia e esta é - como a imensa maioria das areias - formada de quartzo, surge um mineral chamado lechatelierita. É uma substância fácil de identificar porque ocorre na forma de tubos alongados, com poucos centímetros de diâmetro e algumas dezenas de centímetros de comprimento, de cor clara, rugosos e foscos por fora, mas lisos e brilhantes internamente. Alguns fulguritos chegam a atingir 20 m de comprimento e diâmetro de 6,2 cm, mas o usual é se encontrar peça menores mesmo porque ela se quebra facilmente. A espessura da parede costuma ter 1 a 5 mm.
No Rio Grande do Sul, há um local particularmente rico em fulguritos desse tipo. Fica em São José do Norte, no litoral sul do Estado. Ali, a queda de raios nas dunas é tão freqüente que facilmente se encontram pedaços de lechatelierita com 10 cm de comprimento em média O Geól. Lauro Calliari, professor da FURG (Fundação Universidade de Rio Grande), diz que, dependendo da direção do vento, fica mais fácil ainda a coleta de amostras.
Mas, cabe perguntar, por que caem tantos raios ali. O Prof. Lauro explica que sob os cômoros de areia há grande concentração de minerais de ferro e manganês, na forma de grãos de areia, o que atrai as descargas.
Apesar da freqüência do fenômeno, os moradores não se acostumaram e vivem temerosos com a possibilidade de serem atingidos por descargas elétricas nas tempestades.
Uma equipe do Museu de Geologia esteve pronta para visitar o local no ano passado, mas precisou desistir à última hora em razão de outros compromissos, Iremos lá, porém, na primeira oportunidade que surgir. Se não chover, é claro.