Minerais Argilosos
Minerais Argilosos
18 agosto 2014
Pércio de Moraes Branco
Quando se fala em minerais, normalmente vem-nos à mente a imagem de substâncias sólidas, duras, algumas de brilho metálico como os minérios de chumbo, prata, ferro, manganês etc. Ou então podemos nos lembrar das pedras preciosas, de exuberante beleza por suas cores, brilho e transparência.
Há, porém, um importante grupo de minerais que não são nada disso e dos quais quase ninguém se lembra. São os minerais argilosos, importante e complexo grupo de pelo menos 41 silicatos, principalmente de alumínio, às vezes com magnésio e ferro. Como veremos, eles não são formados por processos vulcânicos, nem pelas altas pressões e temperaturas comuns na formação das rochas metamórficas, mas sim pelo intemperismo, conforme se verá adiante.
Argila e Minerais Argilosos
Argila é o nome dado a um sedimento formado por partículas de dimensões muito pequenas, abaixo de 1/256 milímetros (4 micrômetros) de diâmetro. Esse sedimento pode ser formado por apenas um mineral argiloso, mas o mais comum é ser formado por uma mistura deles, com predomínio de um. Todos, porém, são filossilicatos - ou seja, silicatos que formam lâminas -, de baixa dureza, densidade também relativamente baixa e boa clivagem em uma direção. Rochas argilosas como folhelho e siltito são também incluídas nesse conceito no comércio desses materiais.
Erosão e Intemperismo
As rochas ígneas e metamórficas são formadas sob condições físico-químicas completamente diferentes daquelas existentes na superfície terrestre. Isso significa que as rochas que vemos estão em condições de desequilíbrio termodinâmico e, por isso, sofrem transformações profundas na presença da água e do ar.
A ação de água corrente, ventos, geleiras, seres vivos e gravidade desagrega as rochas, fenômeno conhecido como erosão. Os detritos assim produzidos podem ser transportados e depositados em outro local, onde irão gerar, após milhões de anos, uma rocha sedimentar.
O conjunto erosão mais transporte e deposição constitui o que se chama de intemperismo. E é ele que forma os minerais argilosos. O intemperismo, portanto, é um conjunto de processos químicos, físicos e biológicos que, em conjunto, atuam sobre as rochas expostas ao ar e à água. Normalmente predomina um desses processos, daí se falar em intemperismo químico, intemperismo físico e intemperismo biológico, este o menos atuante dos três.
O intemperismo físico tem como principal agente as mudanças de temperatura. O quartzo e o feldspato, dois dos minerais mais comuns nas rochas, têm coeficientes de dilatação muito diferentes. O quartzo, sob ação do calor do sol, aumenta seu volume três vezes mais que o feldspato e isso gera tensões nas rochas, o que acaba gerando fraturas. Além disso, em climas muito frios a água infiltrada na rocha pode congelar e, com isso, dilatar-se, gerando também fraturas, pois essa força de dilatação é também muito forte.
O intemperismo químico tem como agente principal a água com elevado teor de gás carbônico dissolvido e ácidos húmicos que resultam da decomposição de vegetais. Nessas condições, a água promove uma série de reações químicas que alteram as rochas.
O intemperismo biológico tem uma ação mais moderada e se manifesta através da ação, por exemplo, de raízes, que penetram nas rochas e são também capazes de gerar fraturas. Há bactérias que podem também ser muito atuantes quando as condições são redutoras.
A intensidade da ação intempérica depende do clima. O intemperismo é muito mais acentuado, por exemplo, em climas úmidos do que em climas secos. Por outro lado, a resistência dos minerais à sua ação também é variável. Olivinas e piroxênios são minerais que se alteram mais facilmente que as micas, e o quartzo não se altera nem física nem quimicamente. Mas, ao fim de um processo de intenso intemperismo, restam de uma rocha apenas quartzo (sílica livre) e argilas. Assim, pode-se dizer, de um modo geral, que as argilas são os produtos finais e estáveis do processo de intemperismo das rochas.
Características Principais das Argilas
Uma das características importantes dos minerais argilosos são as dimensões extremamente pequenas de seus cristais.
Isso exige, para identificá-los, métodos especiais:
a) análise química quantitativa por fluorescência de raios X ou absorção atômica e
b) análise mineralógica por difração de raios X ou microscopia eletrônica de varredura. O método mais usado é a difração de raios X, que fornece um gráfico chamado difratograma, como o da figura ao lado.
A cor das rochas argilosas pode ser bastante variada, como branco, preto, vermelho, roxo, amarelo, verde, cinza e marrom. Ela depende principalmente da composição química, mas é influenciada também pelas condições físico-químicas do ambiente de deposição dos sedimentos. Entretanto, ao se analisar a cor de uma rocha sedimentar é preciso antes de tudo verificar se essa cor é primária ou se decorre de transformações sofridas pela rocha nos milhões de anos após sua formação.
Segundo Jaime Pedrassani, de um modo geral pode-se assim traduzir as diferentes cores:
a) branca – ausência de compostos de ferro, manganês e titânio bem como de matéria orgânica.
b) cinza e preto – presença de matéria orgânica, às vezes de óxidos de manganês ou de magnetita.
c) vermelho, laranja e amarelo – presença de óxidos e hidróxidos de ferro.
d) roxa – origem não muito bem esclarecida, parecendo estar ligada a óxidos de ferro e manganês.
e) verde – compostos de ferro na forma reduzida, presentes em minerais como clorita, montmorillonita e glauconita. Em alguns casos, a cor pode ocorrer devido a minerais de cobre ou olivinas.
Propriedades das Argilas
A aplicação industrial das argilas baseia-se fundamentalmente nas suas propriedades físico-químicas, as quais, por sua vez, derivam de três fatores: o reduzido tamanho das partículas (inferior a 2 micrometros); a morfologia dos cristais (em lâminas) e as substituições isomórficas que ocorrem nesses minerais.
As argilas possuem uma elevada área superficial com ligações químicas não saturadas, o que lhes permite interagir com diversas substâncias. Por isso, possuem um comportamento plástico quando misturadas com água e, em alguns casos, são capazes de inchar, aumentando muito de volume.
Para se ter uma ideia da incrível área superficial de uma argila, 1 grama de sepiolita possui de 100 a 240 metros quadrados de superfície. A caulinita bem cristalizada, uma das argilas com menor superfície, tem, mesmo assim, 15 metros quadrados por grama de material.
Outra característica importante é a capacidade de troca de cátions. Íons positivos existentes em soluções aquosas que entram em contato com a argila podem facilmente infiltrar-se entre as lâminas dos minerais argilosos e dali saírem também facilmente, pois suas ligações químicas são fracas. Eles não penetram na estrutura do mineral, apenas prendem-se às superfícies das partículas de argila. Ocasionalmente essa troca iônica pode acontecer também em meio não aquoso.
Essa propriedade tem grande influência na plasticidade das argilas, pois se o cátion trocável é o cálcio as propriedades plásticas serão diferentes das presentes quando o cátion é o sódio.
Destacam-se também as argilas por sua enorme capacidade de absorção. As mais absorventes chegam a reter água numa proporção de mais de 100% do seu próprio peso.
A hidratação e o inchamento são outras importantes propriedades, sobretudo das argilas do grupo da montmorillonita. A água pode se acumular entre as camadas e, à medida que isso ocorre, as folhas vão se separando e o volume total vai aumentando.
Plasticidade é outra característica fundamental das argilas. Como são formadas de folhas, a água, ao se introduzir entre elas, funciona como um lubrificante, permitindo que as folhas deslizem umas sobre as outras. Isso é o que explica a grande dificuldade que têm os motoristas para dirigir em solo argiloso nos dias de chuva. O solo torna-se extremamente liso e fica muito difícil manter o veiculo alinhado na estrada.
Além da água, outros líquidos polares também dão plasticidade às argilas; já líquidos não polares, como o tetracloreto de carbono, não deixam as argilas plásticas.
Tixotropia é a propriedade que tem o mineral argiloso em pó que está em suspensão em muita água de se tornar um gel. Isso ocorre, por exemplo, com uma suspensão de 3% de montmorillonita em água.
As argilas que assim se comportam, chamadas de tixotrópicas, quando amassadas convertem-se em um verdadeiro líquido, mas, deixadas em repouso, recuperam a coesão e o estado sólido.
Usos
Embora não primem pela beleza e sejam difíceis de ver e de identificar, os minerais argilosos estão entre os minerais economicamente mais importantes, não só em razão do volume produzido como também pelo valor dessa produção.
Cerca de 90% do total produzido destinam-se à fabricação de agregados e materiais de construção. Os 10% restantes têm variada aplicação, que inclui absorventes, tintas, papel, borracha, descorantes e produtos químicos e farmacêuticos, sendo úteis ainda na indústria do petróleo e na agricultura. Essas argilas são chamadas de argilas especiais e, embora constituam apenas 10% do volume produzido, respondem por 70% do valor. Os outros 90% são chamados de argilas comuns, argilas cerâmicas ou argilas vermelhas. Este último nome provém do fato de, quando levadas ao forno, adquirirem cor de vermelha a marrom.
Produto cerâmico é qualquer material inorgânico, não metálico, que foi submetido a um tratamento térmico em temperatura elevada como parte essencial de sua fabricação (Kirsch, 1972). Além das argilas, as matérias-primas mais importantes para a cerâmica incluem quartzo e feldspato.
As argilas comuns (argilas cerâmicas) são constituídas geralmente de dois minerais argilosos, a esmectita e a illita, podendo haver outras espécies associadas. Seu uso vem sendo feito há milênios, na forma de tijolos, telhas, urnas funerárias, vasos etc. São também usadas como fonte de alumina e na fabricação de cimento e agregados leves ou argilas expandidas.
Na fabricação de tijolos, telhas e manilhas utiliza-se praticamente todo tipo de argila. Preferem-se, porém, aquelas com no máximo 30% de caulinita e com 25-50% de minerais não argilosos de granulação fina. Se o material for excessivamente plástico, adiciona-se areia.
As argilas especiais têm um emprego tão diversificado que se torna difícil mencionar todos. Alguns exemplos são relacionados a seguir.
O caulim é usado há muitíssimo tempo na fabricação de porcelana e papel, mas também na obtenção de isolantes térmicos e elétricos, produtos químicos, catalisadores, fibras de vidro, cosméticos, absorventes estomacais e como carga. Há cinco tipos de porcelana: dura (empregada em vasilhames e aparelhos de laboratório); tenra (usada em objetos ornamentais); porcelana de cinza de ossos (com 40% de cinza de ossos); dentária (70-80% de feldspato e 15-25% de quartzo, além de caulim e mármore) e elétrica (com quantidades iguais de caulim, feldspato, quartzo e ball-clay).
A bentonita é empregada em moldes de fundição; lama de sondagem; clarificação de óleos, cervejas e sidras; purificação da água; herbicidas, inseticidas e pesticidas; armazenamento de resíduos tóxicos e radioativos; barreiras de impermeabilização; cimentação de fissuras e fraturas em rochas de túneis, trincheiras e taludes e alimentação animal.
A palygorskita e a sepiolita raramente predominam numa argila. Os maias produziam um pigmento azul com palygorskita, e a sepiolita era usada para fabricação de cachimbos. Em Vallecas, na Espanha, está a principal jazida do mundo de sepiolita, com a qual se fabrica uma famosa porcelana, conhecida como Bom Retiro. Atualmente, são empregadas em pesticidas e fertilizantes; na purificação do açúcar e do petróleo; em filtragem, floculação e clarificação; como carga, em tintas, cosméticos e resinas; em lama de sondagem e na nutrição animal.
No início de agosto de 2009, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, de São Paulo, anunciou a descoberta, no oeste do Estado de São Paulo, da quarta maior reserva de argila do Brasil, calculada em 135 milhões de toneladas aproximadamente. Esse volume é suficiente para abastecer por 85 anos as indústrias da região que produzem blocos, lajes e telhas.
A jazida encontra-se em condições muito favoráveis à extração, pois forma uma camada espessa recoberta por fina camada de material estéril. Ela está dividida em dois blocos, localizados nos municípios de Castilho e Presidente Epitácio, e poderá transformar a produção de argila em um dos principais fatores de desenvolvimento da região.
Classificação
De acordo com a forma de ocorrência e o uso, as argilas são comercialmente classificadas em diversos grupos, como se verá a seguir (as denominações inglesas são usadas internacionalmente).
Ball-clays – argilas sedimentares fluviais, cauliníticas, plásticas, de granulometria fina, cor cinza a preta, que se tornam brancas a bege após queima.
China-clay – argila branca, composta por caulinita, mica e quartzo, formada por alteração de feldspatos em granitos e pegmatitos graníticos, sem transporte. O nome designa os caulins beneficiados, provenientes principalmente da Cornualha (Inglaterra).
Fire-clay – argila pouco plástica, refratária, de origem sedimentar ou residual, rica em alumina, mas também com óxidos de ferro, que lhe dão cor marrom-clara após a queima. Resistem a temperaturas de até 1.500 ºC, alta, mas inferior a das argilas refratárias.
Argilas refratárias – como as anteriores, são ricas em alumina, mas resistem a temperaturas maiores, de até 1.640 ºC.
Filler-clays – argilas claras (bege a branca), geralmente constituídas de caulinita, que são usadas como carga ou enchimento, isso é, para dar volume e/ou peso ao produto final em indústrias como a de papel e de borracha.
Terras filler – argilas de aluviões em que predominam montmorillonita e atta-pulgita-palygorskita-sepiolita. São muito usadas como descorantes na fabricação de vinhos e óleos vegetais.
Caulim – argila residual ou sedimentar branca, composta basicamente por minerais do grupo da caulinita. Há dois tipos: o caulim fino (terra de porcelana), composto principalmente de caulinita, contendo também algum quartzo, e o caulim fino para cerâmica branca, obtido da purificação do caulim comum.
Taguá – folhelhos ou siltito de cores vermelha, amarela ou cinza, de boa plasticidade, em que predominam minerais argilosos do grupo da montmorillonita e da illita. É a matéria-prima por excelência da cerâmica vermelha.
Terracota – argilas muito plásticas, marrom-avermelhadas, constituídas de minerais dos grupos da montmorillonita, illita, clorita e caulinita, ricas em óxido de ferro, usadas sobretudo para confecção de vasos e esculturas. Queima em torno dos 900 ºC, apresentando baixa resistência mecânica e alta porosidade, necessitando de um acabamento com camada vítrea para torná-la impermeável.
Fontes
BRANCO, Pércio de Moraes. Dicionário de Mineralogia e Gemologia. São Paulo: Oficina de Textos, 2008. 608 p. il.
HIRSCH, Helmuth. Mineralogia aplicada. São Paulo: Polígono/USP, 1972. 291p. il.
MANDARINO, Joseph A. & BACK, Malcolm E. Fleicher’s Glossary of Mineral Spe-cies. 10 ed. Tucson (EUA): Mineralogical Record, 2008. 345p.
PEDRASSANI, Jaime. Biografia das argilas. Inédito. Snt.