Prevenção de desastres: uma década de colaboração Brasil-Japão na busca do aprimoramento da resiliência brasileira

21/07/2023 às 00h00
 | Atualizado em: 01/03/2024
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Pesquisadores unem esforços com objetivo de aprimorar métodos para evitar ou reduzir impactos de eventos geológicos em áreas de risco

Visita técnica na cidade de Nagasakachohino (Foto: Thiago Dutra/SGB)
Há uma década, Brasil e Japão uniram esforços em uma parceria dedicada ao desenvolvimento de métodos inovadores para prevenção ou mitigação de desastres naturais. Especialistas dos dois países têm realizado intercâmbios técnicos e projetos conjuntos desde 2013, com o objetivo de beneficiar comunidades em áreas de risco. Agora, com o uso da inteligência artificial (IA), essas iniciativas alcançam novos patamares. O Japão, conhecido por sua expertise em gerenciamento de riscos, devido às características geológicas e a experiência com desastres naturais, firmou parceria com o Brasil no projeto chamado GIDES (Projeto para Fortalecimento da Estratégia Nacional de Gestão Integrada de Riscos de Desastres Naturais). Essa iniciativa tem o propósito de aumentar a resiliência brasileira, ou seja, a capacidade do país para prevenção e resposta a desastres naturais. Colaboraram com as atividades representantes de diversos ministérios brasileiros, pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil (SGB), além de especialistas ministeriais e consultores japoneses, por meio da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA).
Barragem Sabo construída no Japão para prevenir novos fluxos de detritos (Foto: Thiago Dutra/SGB)
O doutor pela Universidade de Kyoto, Taro Uchida, especialista em prevenção de desastres e consultor japonês no GIDES, com mais de 25 anos de experiência, destaca que as pesquisas desenvolvidas no Japão têm potencial para auxiliar outras nações: “Considero crucial compartilharmos nosso conhecimento, permitindo que outros países adaptem nossa experiência à realidade em que vivem. Acredito que o intercâmbio de experiências é um elemento-chave para enfrentar os desafios dos desastres naturais em escala mundial”. Dr. Uchida é também professor da Faculdade de Ciências da Vida e do Meio Ambiente na Universidade de Tsukuba. Eventos geológicos de grande proporção, como o terremoto de Fukushima em 2011, evidenciam a necessidade contínua de se aprimorar as estratégias de prevenção. A magnitude registrada foi de 9.1 e provocou tsunamis. Mais de 22 mil pessoas morreram, de acordo com as autoridades locais. Dr. Uchida também relembra que, em 2017 e 2018, dezenas de pessoas perderam a vida em decorrência de chuvas intensas, que provocaram fluxos de detritos e deslizamentos de terras em Hiroshima. Mesmo com avanços significativos, o Japão reconhece que ainda enfrenta riscos, especialmente diante de chuvas intensas, deslizamentos de terra e fluxos de detritos. “Nossa situação melhorou, em comparação com o passado. No entanto, ainda enfrentamos muitos riscos diante de tais desastres”, afirmou Dr. Uchida. O pesquisador japonês acrescentou ainda que o país busca “tomar medidas preventivas, compreender a mecânica e os processos dos deslizamentos de terra e fluxos de detritos”.
Dr. Uchida explica sobre equipamentos de medição para avaliar o comportamento de fluxo de detritos Foto(Thiago Dutra/SGB)

Inteligência artificial para prevenção de desastres

A colaboração internacional é considerada essencial para encontrar soluções eficazes. Por meio do GIDES, o SGB desenvolveu uma metodologia para análise de perigo e risco relacionados a movimentos gravitacionais de massa, como deslizamentos planares e rotacionais, fluxos de detritos e quedas de blocos. Esse trabalho resultou na criação das Cartas de Perigo Geológico, que indicam áreas com possibilidade de ocorrência de deslizamentos e estimativas de alcance máximo. Agora, a missão é aprimorar a metodologia para garantir maior precisão das previsões. Esse é o objeto do estudo de doutorado no Japão do pesquisador em geociências da instituição Thiago Dutra, orientado pelo professor Uchida.
Pesquisador Thiago Dutra, à esquerda, com estudantes na feira da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA) (Foto: Arquivo pessoal)
“A metodologia de perigo nos indica onde vão ocorrer deslizamentos de terra e, caso ocorram, qual o atingimento máximo. Meu objetivo é aplicar técnicas de inteligência artificial (IA) para tornar esse processo mais rápido, aumentar a acurácia do mapeamento e consequentemente a capacidade de resposta frente a estes processos”, explicou Dutra. Dr. Uchida acredita que “a inteligência artificial pode ser uma ferramenta poderosa para analisar, de forma abrangente, a relação entre diversos fatores e os desastres naturais”, de modo a proporcionar novos conhecimentos e avanços significativos na prevenção e mitigação dos impactos desses eventos. A experiência e o conhecimento japoneses na gestão de riscos são compartilhados com o SGB, e a colaboração entre Brasil e Japão é um exemplo de cooperação internacional bem-sucedida em prol da segurança das populações expostas a riscos de desastres naturais. O trabalho conjunto, com foco em inovação e uso de tecnologias avançadas, como a inteligência artificial, abre caminho para um futuro mais resiliente e preparado para enfrentar os desafios naturais.
Experimento de laboratório para compreender melhor o comportamento de fluxo de detritos (Foto: Thiago Dutra/SGB)

Experiência do Japão na prevenção de desastres

O SGB teve a oportunidade de realizar uma entrevista com o renomado pesquisador Dr. Taro Uchida, para que ele compartilhasse um pouco da experiência japonesa em gestão de riscos. Com formação acadêmica na prestigiada Universidade de Kyoto, em 1995, Dr. Uchida possui vasto histórico, com mais de 25 anos dedicados à área de prevenção de desastres. O foco principal de pesquisa de Dr. Uchida inclui o estudo aprofundado do fluxo de detritos, controle de inundações, hidrologia de encostas e análise de desastres naturais. Sua experiência e conhecimento têm sido fundamentais para entender e abordar questões cruciais relacionadas à segurança e resiliência das comunidades, frente a situações adversas.
Confira entrevista completa com o pesquisador:

Qual o principal desastre natural que ocorre no Japão e como isso afeta a vida das pessoas e a infraestrutura?
Dr. Uchida: No Japão, há muitos tipos de desastres naturais. Nós temos chuvas fortes, grandes nevascas e grandes terremotos. Então, essa condição natural impacta muitos tipos de desastres, como deslizamentos de terra, fluxos de detritos e tsunamis. Atualmente, estamos nos concentrando em desastres causados por deslizamentos de terra e por terremotos, especialmente devido às mudanças climáticas. Então, nós temos tido um trabalho árduo, focado em ações para prevenir inundações, fluxos de detritos e deslizamentos de terra. Esses desastres infelizmente causam sérios impactos na vida das pessoas, nas infraestruturas e nas casas. Com relação às suas pesquisas, qual o principal foco de investigação? Há algum aspecto específico dos desastres naturais que tem sido investigado ou alguma abordagem inovadora que está desenvolvendo?
Dr. Uchida: Estamos principalmente focados nos desastres relacionados a sedimentos, como deslizamentos de terra, fluxos de detritos e inundações relacionadas a sedimentos. Nós nos concentramos tanto nos desastres induzidos por fatores climáticos quanto por atividades sísmicas, além de tentarmos entender como as mudanças climáticas afetam a frequência e a magnitude destes eventos. Além disso, buscamos compreender a mecânica desses processos e trabalhamos no desenvolvimento de métodos de mitigação de desastres para implementar medidas de prevenção eficazes. Como as parcerias e cooperações internacionais contribuem para o avanço do conhecimento e das práticas para o gerenciamento de riscos geológicos no Japão?
Dr. Uchida: Consideramos a parceria internacional algo muito importante para melhorar nossa tecnologia e conhecimento, no sentido de mitigar os desastres de deslizamentos de terra, porque precisamos de uma compreensão abrangente dos fenômenos, como fluxo de detritos e deslizamentos, baseada em várias experiências. Portanto, a cooperação internacional é relevante para coletar dados e conhecimentos de muitos países. Como a experiência do Japão pode auxiliar outros países?
Dr. Uchida:Infelizmente, nosso ambiente natural é bastante desafiador. Experimentamos uma alta incidência de terremotos e chuvas intensas. Nossa condição geológica é complexa, com uma taxa significativa de soerguimento, o que, por sua vez, torna nossa configuração geológica favorável à geração de movimentos gravitacionais de massa. A topografia é extremamente acidentada, com amplos desníveis e diversos vales encaixados, com a presença de muitas barreiras estreitas. Isso aumenta ainda mais o perigo desses fenômenos e consequentemente a potencialidade de atingirem uma comunidade. É essencial desenvolvermos maneiras de lidar com os desafios que enfrentamos, buscando soluções inovadoras para aprimorar nossa resiliência diante de eventos naturais adversos. Portanto, nossa vasta experiência é de suma importância para a mitigação de futuros desastres. Estou otimista de que podemos estender nosso conhecimento a outros países, visando um benefício global. Além disso, reconheço que cada país possui suas particularidades locais e culturais. É por isso que considero crucial compartilharmos nosso conhecimento, a fim de permitirmos que outros países adaptem nossa experiência à realidade em que vivem. Acredito que o intercâmbio de experiências é um elemento-chave para enfrentar os desafios dos desastres naturais em escala mundial. Compartilhando nosso conhecimento e melhores práticas, podemos capacitar outras nações a desenvolverem estratégias eficazes de prevenção e resposta a desastres, alinhadas às suas próprias circunstâncias. Visita à barragem Sabo para prevenção de fluxo de detritos(Foto: Thiago Dutra/SGB)
Pode dar exemplos de casos de desastres naturais que ocorreram no seu país?
Dr. Uchida: Há cerca de cinco anos, tivemos um evento de chuvas intensas na parte oeste do Japão. Naquela época, mais de 100 pessoas foram mortas devido a fluxos de detritos e deslizamentos de terra. Embora tenhamos realizado diversas medidas preventivas nas últimas décadas e observado uma melhoria em nossa situação, se comparado ao passado, ainda enfrentamos muitos riscos significativos. Reconhecemos que nossas medidas preventivas atuais não são suficientes para mitigar e prevenir tais desastres, de forma abrangente. Como resultado, estamos empenhados em adotar outras ações proativas para enfrentar esse desafio. Isso inclui aprofundar nosso conhecimento sobre a mecânica e os processos dos deslizamentos de terra e fluxos de detritos, a fim de aprimorar nossa capacidade de previsão e resposta a esses eventos. Adicionalmente, estamos comprometidos em revisar e aprimorar as diretrizes e manuais existentes para a mitigação de desastres. Reconhecemos que, à medida que enfrentamos desastres de grande magnitude, é essencial aprender e estudar suas características em profundidade para compreender os fenômenos envolvidos e desenvolver estratégias mais eficazes. Na sua opinião, qual é o papel da inteligência artificial no desenvolvimento de sistemas de análise de desastres naturais e na tomada de decisões estratégicas para minimizar os impactos desses fenômenos? O pesquisador Thiago Dutra desenvolve um estudo nessa linha.
Dr. Uchida: Eu acredito que a inteligência artificial (IA) ofereça uma das melhores soluções para desenvolver novas tecnologias ou contramedidas para mitigar desastres naturais desse tipo. Esses fenômenos complexos são influenciados por diversos fatores, desde aspectos geológicos e topográficos até condições de vegetação, precipitação e fatores sociais, o que torna sua análise abrangente uma tarefa desafiadora. É precisamente nesse cenário que a IA surge como uma ferramenta poderosa e inovadora. Com sua capacidade de processar grandes volumes de dados e identificar padrões sutis, a IA pode realizar análises abrangentes e multidimensionais desses diversos fatores que contribuem para os desastres naturais. Por meio do aprendizado de máquina e da análise preditiva, a IA pode fornecer insights valiosos e até identificar correlações complexas que escapariam à percepção humana.
Como a inteligência artificial pode ser combinada com outros métodos de análises de riscos para aumentar a efetividade da prevenção de deslizamentos de terra e mitigação dos impactos?
Dr. Uchida:As lições dos desastres são um dos pontos fundamentais para construir e desenvolver novas contramedidas ou tecnologias para futuros desastres. O pesquisador do SGB Thiago Dutra realiza um trabalho muito bom para compreender os desastres por deslizamentos de terra no Brasil. Esperamos aproveitar a experiência e os dados obtidos por meio desse estudo para desenvolver um novo método de compreensão das áreas de risco. A utilização de técnicas de inteligência artificial (IA) pode proporcionar uma abordagem mais profunda e precisa para entender como os deslizamentos de terra ocorrem e, assim, nos permitir uma prevenção mais eficiente. A IA, de fato, se tornou uma ferramenta poderosa, mas é importante ressaltar que seu uso eficaz requer uma grande quantidade de dados de treinamento. É necessário coletar informações detalhadas para nutrir os algoritmos de IA e, assim, garantir resultados confiáveis. Neste sentido, o trabalho em andamento de Thiago é essencial, pois ele está realizando um excelente trabalho ao coletar e analisar dados relevantes para enriquecer o conhecimento sobre deslizamentos de terra. Qual a importância desse estudo desenvolvido pelo pesquisador do SGB para pesquisas sobre gerenciamento de riscos no Brasil?
Dr. Uchida: Os desastres relacionados a sedimentos são intrinsecamente influenciados por uma variedade de fatores locais, que incluem condições naturais, topografia, geologia e aspectos sociais. Sempre defendi a necessidade de abordagens específicas e localizadas para mitigar esses desastres em cada região, reconhecendo que as soluções devem levar em conta as características únicas de cada local. Nesse sentido, o trabalho do pesquisador Thiago Dutra busca compreender as características dos desastres em uma região específica. Ao mesmo tempo, adquirir conhecimento sobre os diversos métodos de inteligência artificial é de extrema relevância. Através desse estudo, poderemos avançar na compreensão das áreas de perigo de deslizamentos de terra e fornecer alternativas para aumentar a acurácia e reduzir o tempo de resposta dos levantamentos. A expectativa é que, com a conclusão do projeto de Thiago, possamos propor um método novo, adequado e replicável para somar ao mapeamento de perigo de deslizamentos de terra no Brasil. Acredito firmemente que, ao aumentar a precisão e o conhecimento sobre as áreas de perigo, poderemos avançar para a próxima etapa na busca por soluções mais efetivas.
Núcleo de Comunicação
Serviço Geológico do Brasil Ministério de Minas e Energia imprensa@sgb.gov.br

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